Origem da toponímia de Lisboa, “Princesa do Tejo”
Um exemplo de um tema abordado pelos eventos LightKeepers. Mas o tema é abordado de forma diferente da clássica, promovendo a sua descoberta pela interacção no grupo ou equipa.
Mas, aqueles que já participaram nos nossos eventos, sabem bem onde reside a diferença…
Parte 1: OLISIPO de Ulisses, dos Fenícios, dos Romanos
O povoado pré-romano de Olisipo, teve origem nos séculos VIII-VII a.C., assentava no morro e na encosta do Castelo, que terminava abruptamente em escarpa sobre o rio Tejo. A Olisipo pré-romana foi o maior povoado oriental da região de Portugal.
Olisipo seria um local de aportagem para o tráfego marítimo e comércio com os fenícios. Achados arqueológicos sugerem que já havia trocas comerciais com os Fenícios na região em 1200 a.C., levando alguns historiadores à teoria de que fenícios teriam habitado o que é hoje o centro da actual cidade, na parte sul da colina do castelo, e também por gregos e cartagineses numa época pré-romana.
Uma lenda popular e romântica (referida noutro artigo neste blog) conta que a cidade de Lisboa teria sido fundada pelo herói grego Odisseu (Ulisses), e que tal como Roma o seu povoado original era rodeado por sete colinas. Daí os gregos terem chamado à cidade de Olisipo, proveniente do nome do herói.
Foram descobertas evidências arqueológicas da presença oriental nas escavações dos claustros da Sé e na Casa dos Bicos, que nos indicam que Olisipo tinha uma real importância económica, manifestando ser, pela presença do sufixo – ippo, de origem não indo-europeia, sendo considerada Município e não uma colónia.
Discute-se se o estatuto municipal de Felicias Iulia Olisipo terá sido conferido por Júlio César ou por Octávio Augusto, mas os municípios diferiam bastante das colónias, por guardarem os seus próprios costumes e serem governados por magistrados e um senado romano. Nas colónias, os soldados que constituíam o seu primitivo núcleo de habitantes livres eram os mais importantes vectores de transmissão da cultura romana.
Através da prática do evergetismo, fazendo doações, promovendo jogos ou festivais de cariz religioso e lúdico, construindo monumentos à sua custa, os magistrados difundiam a cultura e angariavam o apoio popular. Assim nasceu a orquestra e o teatro romano graças a Caio Heio Primo, no ano de 57 d.C.
A perseguição ao cristianismo entre 303 e 305 dá lugar a numerosos mártires.
As cidades mais romanizadas tornam-se simultaneamente as mais cristianizadas. Olisipo, atestando a sua importância e amplitude de cristianização, teve nos irmãos Veríssimo, Máxima e Júlia, os seus mártires. Os jovens terão sido torturados e arrastados pela cidade antes de serem decapitados. Segundo a lenda, foram lançados ao Tejo na margem sul, da outra banda, mas os seus corpos terão dado à praia na margem norte, ainda antes dos seus carrascos aí chegarem. As relíquias foram prontamente recolhidas, guardadas e veneradas desde então nesse local, hoje conhecido por Santos.
Nesse local foi construído um antigo templo, entretanto destruído pelos muçulmanos.
Parte 2: ULISHBONA e a conquista pelos visigodos de Toledo
No fim do domínio romano, Olisipo sofreu invasões bárbaras dos alanos, vândalos e depois fez parte do reino dos suevos, antes de ser tomada pelos visigodos de Toledo, que a habitaram e chamaram de Ulishbona.
Parte 3: AL-USHBÛNA e a conquista islâmica
Após três séculos de saques, pilhagens e perda de dinâmica comercial, Ulishbuna seria pouco mais que uma vila no início do século VII. É nesta altura que, aproveitando uma guerra civil do Reino Hispânico Visigótico, que os árabes liderados por Tariq ibn Ziyad invadem a Península Ibérica com as suas tropas mouriscas, em 711, a partir de Gibraltar.
Ulishbona foi então conquistada pelas tropas de Abdelaziz ibn Musa, um dos filhos de Tariq, em 714. Lisboa passou então a ter denominação árabe, passando a chamar-se al-Ushbûna.
Mas sob o domínio islâmico, houve diversos atentados à paz e em 740 teve lugar uma revolta berbere, entre grupos rivais.
Afonso II assaltou a cidade em 798, enviando a Carlos Magno despojos dessa luta. O emir al-Hakam I desenvolveu uma ofensiva entre 809 e 813.
Em 844, al-Ushbûna era invadida por Vikings noruegueses sem que existam sinais ou certezas que a cidade tenha sido tomada durante os 13 dias que durou o cerco.
Em 966 um novo ataque normando é desencadeado e é posteriormente neste período que a Cerca Velha, ou Cerca Moura, foi edificada em grande parte sobre a antiga cerca romana original, muito danificada após o ataque normando no séc. IV d.C, ocupando uma área intramural (medina) de 15,60 hectares.
Hoje pouco permanece visível da Cerca Velha.
A muralha estendia-se entre a Alcáçova, situada no topo do monte, até à zona ribeirinha. Com um perímetro de 1250m e nove portas, o lanço ocidental teria 350m, o lanço da Ribeira, ao longo do rio Tejo, 460m e o lado oriental, desde o Chafariz d’El-Rei até ao Castelo, 440m. A espessura da muralha variava entre 2 a 2,5m. O arco mais imponente era o Arco da Porta de Ferro, que se situava no actual Largo de Santo António. Do lado oriental, protegida pela sua torre, a Porta do Sol dominava o horizonte. A ocidente, a Porta de Alfofa dava comunicação com os arrabaldes a norte e ocidente. Na zona ribeirinha existiam várias portas, em particular 3 delas viradas para a praia. Uma delas tinha o nome de Porta do Mar, onde hoje se chama Arco Escuro. No lanço oriental e junto do Chafariz d’El-Rei, ainda hoje se pode ver sobre a Rua da Judiaria, um cubelo da muralha e a Torre de São Pedro ou de Alfama. A leste abria-se a Porta de Alfama.
A zona mais animada da medina situava-se entre a Porta de Ferro e a Porta do Sol, passando pela antiga mesquita sobre a qual terá sido construído o claustro da Sé. A elite militar e política habitavam na Alcáçova no topo do monte.
Alfama, então bairro de pescadores, era conhecido por alcaçarias com fontes de água quente, usadas na lavagem de lãs e outros tecidos e curtumes de couros e peles.
Parte 4: LISBOA
A primeira tentativa de Afonso de conquistar al-Ushbûna deu-se em 1137 e fracassou frente às muralhas da cidade. Em 1140 intercede junto dos cruzados que passavam por Portugal rumo à Terra Santa, para lançar um novo ataque que novamente falha, face à bravura islâmica e eficácia das suas muralhas.
Só sete anos depois, em 1147, os cristãos liderados pelo primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques e ajudado por um exército de cruzados e alguns templários, conquistam Lisboa.
Em 1179, D. Afonso Henriques atribui o foral a Lisboa, tornando-a capital do reino em 1255 devido à sua localização estratégica.
Nos últimos séculos da Idade Média a cidade expandiu-se e tornou-se um importante porto comercial com relações estabelecidas com o norte da Europa e com as cidades costeiras do Mar Mediterrâneo.
Para proteger os seus habitantes dos invasores castelhanos e de outras ameaças, Dom Fernando I, “o Formoso” (séc. XIV), construiu a famosa Muralha Fernandina, já que a cidade crescia rapidamente para fora do perímetro inicial.
Esta nova muralha, bem maior que a moura, com um perímetro de 5300m e uma área de 103,60 hectares, começou pelo lado dos bairros mais pobres e acabou nos bairros da burguesia, sendo esta última quem financiou a obra. O primeiro troço, a ocidente, começou a partir da Porta de Martim Moniz, seguiram pelas Portas de Santo André, de Santo Agostinho e de S. Vicente de Fora. O troço oeste englobava os mosteiros de S. Francisco, da Trindade e S. Domingos, protegendo a Mouraria e a norte subindo pelo monde de Sant’Ana. Descia depois para ocidente, servindo a Porta de Santo Antão para acesso a uma zona arrabalde. Passando o Valverde a muralha subia o monte de São Roque, onde inflectia para sul em direcção às Portas de Santa Catarina. A nova área defendida incluía a Judiaria Grande e a rua Nova.
A Muralha Fernandina era constituída de alvenaria, com uma espessura entre 1,75 e 2,20m, oito metros de altura e 76 ou 77 torres, 35 portas e postigos.
Levou dois anos a construir, tendo-se calculado que foram envolvidos uma média de 1400 trabalhadores.
Lisboa continuou a ser palco de grandes batalhas que marcaram a nossa história, desde a guerra que leva à usurpação do trono em 1383 pelo Rei de Castela, João I de Castela, até à principal revolta que causou a Restauração da Independência, em 1640.
Na era do expansionismo e das Navegações Portuguesas, o ouro da África, da Ásia e do Brasil fomentaram um grande impulso económico, tecnológico e mercantil. Ao abrigo do Tratado de Tordesilhas, partiram numerosas expedições de Lisboa na época dos descobrimentos (séculos XV a XVII), como a de Vasco da Gama em 1497-1498, reforçando também com este feito, a condição de grande porto e centro mercantil na Europa ávida por ouro e especiarias.
Na época da expansão as casas de Lisboa tinham de três a cinco andares, sendo no primeiro uma loja e nas últimas as instalações dos comerciantes. Nesta época Lisboa ultrapassa a importância da capital genovesa tornando-se um porto em que circulavam escravos que depois eram vendidos para diversos pontos da Europa, sendo muito frequentada por uma grande quantidade de comerciantes estrangeiros.
Mas a cidade acabaria por sofrer a destruição quase total em 1 de Novembro de 1755 por um grande Terramoto que foi sentido em diversas capitais europeias, tendo sido reconstruída segundo os planos traçados pelo Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), Ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros e oriundo da Baixa Nobreza, que reagindo à desgraça e ruina, terá dito que era necessário enterrar os mortos, cuidar dos vivos, fechar os portos e reconstruir a cidade. Uma ideia que vai desenvolver de seguida ao nível da política, economia e sociedade.
A parte central da reconstrução de Lisboa designar-se-á por Baixa Pombalina, assente sobre um apertado conjunto de regras e a uma quadrícula adoptada nos planos de reconstrução que permite trocar a orientação medieval pelo modernismo e dar lugar às praças do Rossio e do Terreiro do Paço, esta com uma belíssima arcada e aberta em frente ao rio Tejo.
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Nossa que artigo excelente, uma história riquissima de tirar o fôlego, merece um estudo aprofundando de cada momento!